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Bom dia, jovens antípodas de Sísifo, meus alunos diletos vestibulandonautas.

 

Desconsiderando os prólogos, introitos e conjunturas, Sísifo era por demais astuto e esperto e, por isso, recebeu uma punição terrível dos deuses do Olimpo aos quais ousou desafiar: rolar diariamente uma pedra montanha acima até o topo, sem jamais alcançar o feito. Afinal, o cansaço advindo da fadiga impedia a consecução da tarefa, e a pedra rolava morro abaixo novamente, e mente e mente, num indo e vindo infindo. O castigo tinha o objetivo da coerção social: diminuir Sísifo socialmente para desestimular a esperteza do próximo, o que significa punir e reprimir a individualidade dos impetuosos.

            Albert Camus, o existencialista, retomou o mito para explicar a tragédia infinita do ser humano: seguir a rotina árdua das imposições e contingências da vida. Nesse mundo administrado por terceiros (e contrário a nossa liberdade), levantamo-nos pela manhã, trabalhamos e estudamos, comemos e rimos, e agimos de modo quase autômato. A vida, assim, torna-se chata, vazia, repetitiva. Uma vida de Sísifo. E a sociedade usa os mais diversos meios de coerção para reprimir a audácia. Não há Olimpo, nem deuses, mas normas, preconceitos, rótulos, estereótipos.

            Muitos acreditam que o VESTIBULAR representa uma ilustração metafórica do mito de Sísifo. Nesse sentido, seria improdutivo rolar a pedra fadada ao retorno à base. Não nos apeguemos muito nisso, e vejamos por outros vieses:

            1. Por que rolar a pedra até o topo? Defina você mesmo o tamanho de suas metas e a altura de seu topo, sem castigos, regras, cobranças, imposições. As pessoas são chatas. Elas não vão ficar todas felizes com seus feitos, seus atos, suas metas. Acredite e confie em seus desejos. Vivemos tão pouco tempo para vivermos contrariados. Até um carvalho, um quelônio e um fragmento de âmbar perduram muito mais que nós. Defina sua meta, alcance, seja feliz. Para que motivo essa correria toda, tola e desenfreada, em direção ao topo?

            2. Pensemos na determinação de Sísifo. Ele sempre recomeçava. Ele é a fênix em determinada proporção. Ele não desiste, ainda que amarrado ao castigo eterno. Reduza o caráter fatalista do mito, subtraia a ausência de liberdade, faça um recorte atual e pense: ir à escola todo dia, participar de aulas chatas (as minhas, inclusive), fazer provas, vestibulares, viagens, inscrições, mais provas. Tudo isso é tarefa infinda. Tarefa de Sísifo. E, no entanto, executamos, fazemos, rolamos nossas pedrinhas. Pense no dia de hoje como mais uma pedra a ser rolada no sentido de chegar a um lugar. E role. E chegue. E contemple sua chegada.

            3. Num outro mito, os argonautas viajam em busca de algo que, de fato, encontram, atingindo suas metas (a vaga no vestibular???). Sejamos hoje um pouco de Sísifo, um pouco de argonauta, um pouco de nós mesmos:

           a) Nem tão sísifos que sejamos escravizados. Nem menos a ponto de recusar as tarefas obrigatórias ainda que chatas.

           b) Um pouco argonautas na perseguição (E ALCANCE) de nossos ideais, não importando quão ínfimos eles sejam. São nossos.

          c) E, convenhamos, é bom que vocês sejam sempre vocês mesmos, no sentido de serem autênticos, mas não sejam os mesmos sempre, no sentido de se entregarem à mesmice que tão somente escraviza, via coerção, os corações e desejos humanos, tão humanos quanto Protágoras assim disse que seriam e são.

            A todos vocês, alunos diletos, desejo boas provas, boa sorte, boa vida.

            Com apreço intelectual e carinho,

            Wash.

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